A recente visita do Papa Francisco ao Iraque foi uma viagem corajosa de um homem de 84 anos, que, apesar das limitações físicas, arriscou ir, em pleno período de pandemia, a um dos lugares com menos segurança do mundo. Mais do que ação pastoral, foi uma peregrinação pela paz, concórdia inter-religiosa e fraternidade.
A realidade do médio oriente não se compara com a da Europa: as condições sociais, políticas, religiosas e de diversidade de povos tornam esta região ímpar e não pode ser avaliada pelas regras da mentalidade europeia.
O Iraque foi a terra de Abraão, considerado o pai das religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Foi nessa região, a Mesopotâmia, que ocorreram muitos dos acontecimentos relatados no Antigo Testamento.
O Iraque tem cerca de 40 milhões de habitantes, que professam o islamismo, divididos em xiitas e sunitas, sendo os cristãos, com vários ritos, uma pequena minoria: a maior parte são árabes, mas também pertencem a comunidades que há muito tempo lá se estabeleceram, como os Assírios ou os Arménios.
Em 2003, aquando da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, eram cerca de 1.400.000. Em 2014 passaram para 300.000 e, em 2017, no fim do domínio feroz do DAESH, que além das perseguições também destruiu o património, passaram para menos de 250.000.
Atualmente, em regiões visitadas pelo Papa, são alvo de milícias xiitas. Os cristãos no médio oriente são cidadãos de segunda categoria: são discriminados por uma variedade de leis que dificultam a sua vida e prática religiosa.
Esta viagem do Papa tem um simbolismo único: mostrar ao mundo a necessidade de Paz, em clima de diálogo inter-religioso e de fraternidade, com aproximação ao Islão, como ocorreu o ano passado, no encontro com o Grande Imã Ahmad Al-Tayeb, em Abu Dhabi e que no documento conjunto se declarava que Deus “criou todos os seres humanos iguais, nos direitos, nos deveres e na dignidade, e chamou-os a conviver entre si como irmãos.”
Não se pode invocar Deus para fazer guerra. A Igreja Católica já ultrapassou essa fase, mas o Alcorão apela à guerra santa contra os infiéis; os infiéis são nomeadamente os cristãos. Daí a importância do encontro com o aiatola Ali al-Sistani, líder religioso dos xiitas iraquianos , que o Papa considerou uma luz e elogiou-o como “um sábio, um homem de Deus.”
No encontro inter-religioso, na planície de Ur, terra do patriarca Abraão, rezou-se com a oração dos filhos de Abraão: “Deus Todo-Poderoso, nosso Criador, que amais a família humana e tudo o que as vossas mãos fizeram, nós, filhos e filhas de Abraão, pertencentes ao judaísmo, ao cristianismo e ao islão, juntamente com os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade, agradecemos-vos por nos terdes dado com pai comum na fé, Abraão, filho insigne desta nobre e amada terra…”
Vicente Gonçalves, Dr
médico | anatomia patológica
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