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Do laicismo ao sincretismo religioso nas escolas

Atualizado: 8 de abr. de 2021



Da experiência que tenho, se pedirmos a um aluno do primeiro ciclo do ensino básico para desenhar ou escrever um texto sobre a Páscoa, a primeira reação é questionar se pode desenhar ou escrever sobre o ovo ou o coelho da Páscoa. Digamos que o arquétipo pascal da maioria das crianças de hoje se reduz a esta simbólica.



Ao longo dos 11 anos da minha lecionação de EMRC passei por 12 escolas estatais, um número não muito grande atendendo à atual instabilidade do sistema educativo português. Esta itinerância pelas escolas do norte de Portugal permitiu contactar com diferentes modelos de gestão escolar, centenas de professores e realidades distintas e ainda milhares de alunos. Nas conversas das salas de professores e com as direções de escola a temática “Religião na escola” é assunto recorrente de conversa e troca de opiniões. Encontramos respostas para todos os gostos, desde os que tem uma atitude mais laicista, aos que apresentam uma atitude mais inclusiva.


Apesar da miríade de posicionamentos é também bem notório que as efemérides religiosas não passam indiferentes nas escolas, com especial enfoque no Natal e Páscoa, onde encontramos diversas atividades pedagógicas relacionadas com estas festividades. Neste âmbito torna-se praxis comum uma certa laicização destas festividades religiosas. Estas são assinaladas e celebradas educativamente, mas o seu cunho religioso, cristão diga-se por passagem, é atropelado por uma atitude sincrética das escolas, em que se verifica uma combinação de várias doutrinas, sem grande sustentação.


É muito comum ainda uma tentativa de neutralização da abordagem do fenómeno religioso cristão na escola, em nome de uma laicidade que se transforma em laicismo, na medida em que tenta reduzir a crença individual ao foro privado, num estilo de integração e não de inclusão. Exemplo muito claro disso são as atividades escolares relativas à Páscoa. Da experiência que tenho, se pedirmos a um aluno do primeiro ciclo do ensino básico para desenhar ou escrever um texto sobre a Páscoa, a primeira reação é questionar se pode desenhar ou escrever sobre o ovo ou o coelho da Páscoa. Digamos que o arquétipo pascal da maioria das crianças de hoje se reduz a esta simbólica.


No entanto, se lhes perguntarmos o significado de cada um dos símbolos, apenas conseguem expressar um "não sei". Esta resposta não é exclusiva dos alunos, já que a maioria dos professores responde exatamente da mesma forma. Apesar de proporem atividades em que recorrem a coelhos e ovos da Páscoa, a maioria dos professores desconhece que esta simbólica está relacionada com a deusa pagã Eostre, Ēostre, Ostara ou Ostera, a deusa da Aurora, que simboliza a fertilidade e o renascimento da vida na primavera.


Atendendo que o culto a Ostara era comum nos países anglo-saxónicos, não é de estranhar que a própria expressão inglesa para Páscoa, Easter, esteja relacionada com a deusa Ostara, aludindo ao "sol que se eleva" ou "sol nascente", com clara ligação equinócio da primavera, altura em que era celebrada. A iconografia, enquanto ciência das imagens produzidas pela pintura, escultura e outras artes plásticas, representa a deusa Ostara associada a um coelho e a um ovo, enquanto símbolos da fertilidade e do ressurgimento da vida, respetivamente.


Há ainda a realçar que raramente se vê nas escolas referências à Páscoa Judaica ou ainda à Páscoa Cristã, que em nome da laicidade são silenciadas no sistema educativo para dar lugar a outras simbólicas religiosas desenraizadas da cultura em que estamos inseridos. A par com o Halloween, a Páscoa passa a ter referências educativas e culturais desenquadradas da matriz cultural portuguesa, com significantes sem significado e um sincretismo religioso sem sistematização, para emudecer as vozes que clamam por uma escola laicista, em detrimento de uma escola verdadeiramente laica e inclusiva. Esta mesma realidade é bem visível no atual sistema económico. Quando nos dirigimos a um supermercado ou admiramos a montra de uma loja na altura da Páscoa, a simbólica pagã está bem presente. As nossas crianças, enquanto nativos consumistas, emergem rapidamente na dinâmica proposta, meramente exterior e consumista, sem qualquer significado espiritual e antropológico. A Páscoa reduz-se a mais uma oportunidade para aceder a doces, receber prendas e comprar mais uma não-necessidade, produtos da globalização que trespassa cultura e valores, para além de produtos económicos. Perde-se assim a oportunidade de apresentar às novas gerações um resumo simbólico dos questionamentos e respostas que foram acumulados durante milénios.


A Páscoa Judaica, enquanto experiência de libertação da escravidão do povo hebreu do Egito adquiriu com o Cristianismo o significado existencial de passagem da morte à vida. Estas questões de sentido, enquanto possibilidade de ensinar a condição humana e a enfrentar incertezas, seriam uma oportunidade para repensar a nossa existência perante a sombra e incógnita da morte que desde sempre questionou o ser humano.



Ricardo Cunha, Dr.

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