“Estamos todos no mesmo barco. Ninguém se salva sozinho”! É com expressões como esta que o Papa Francisco tem falado da urgência de uma “cultura de fraternidade” para vencer as crises avolumadas com a pandemia. O mundo em que vivemos tornou-se perigoso e são necessárias respostas globais. Contudo, basta olhar para a nossa Europa, incapaz de gerir vacinas e apoios com a rapidez desejada. Mais ao largo, vemos as diferenças entre países ricos e pobres, vacinas que não chegam a todos os povos ao mesmo tempo, riqueza acumulada pelos mais ricos e miséria pelos mais pobres.
Precisamos da coragem de novos profetas, defensores da vida, da igualdade e da fraternidade universal. Há dados com o ranking dos “mais ricos” ou “das empresas com maior lucro”. Não há primeiras páginas nem voz para a miséria de milhões a viver em barracas nos campos de refugiados, escondidos nas florestas ou confinados e amontoados em pequenos apartamentos.
Segundo os dados do Gabinete para a Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (OCHA), em 2019 havia 70,8 milhões de refugiados (1% da humanidade). Em 2021 cerca de 235 milhões de pessoas precisarão de assistência humanitária e proteção para sobreviver (3%). Há um aumento de 40% de pessoas vulneráveis em relação a 2020. A pobreza extrema aumentou pela primeira vez em 22 anos. Prevê-se que no final de 2021, cerca de 736 milhões de pessoas (10%) poderão estar em situação de pobreza extrema, a viver com menos de 1,60 euros por dia. Os planos de resposta visam chegar a 160 milhões de pessoas e têm um custo estimado de 35 mil milhões de dólares. Podemos perguntar: “E os restantes?”
Alguns estão ao nosso lado. Na cidade do Porto, só a “Porta Solidária” distribui mais de 600 refeições diárias. Instituições, Centros Sociais, paróquias e até pessoas individuais distribuem bens e fraternidade. Chegará esta boa vontade? Precisamos de muito mais. É necessário, como diz o Papa Francisco na Encíclica “Fratelli Tutti”, uma amizade social, uma fraternidade, também política, que mude as estruturas geradoras destes males.
Há mesmo urgência de uma “Fraternidade Universal”, de gente que grite, se necessário, em nome do pobre.
No início do cristianismo, S. Paulo escrevia que se “fez um” com todos: que se fez judeu com os judeus, grego com os gregos, tudo para todos (cf. 1 Cor 9, 19-22). Uma cultura a desenvolver, um autêntico princípio educativo para estas e as futuras gerações.
As Nações Unidas declararam o dia 4 de fevereiro Dia Internacional da Fraternidade Humana. Em 2021 foram distinguidos com o Prêmio Zayed 2021 para a Fraternidade Humana o Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, e a ativista franco-marroquina Latifa Ibn Ziaten. Um católico e uma muçulmana, revelador do papel fundamental dos crentes.
Oxalá, cada um de nós, no próximo ano, mereça este mesmo prémio… pois precisamos de multiplicar os “profetas” da fraternidade universal. Urgentemente!
D. Armando Esteves Domingues
Bispo Auxiliar da Diocese do Porto
Comments